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Brasil

Apostas esportivas: Congresso quer fiscalização rígida; governo foca em tributação

Senadores relatam demora para envio da MP das apostas ao Congresso. Governo culpa gestão Bolsonaro por falta de regulação

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Pressionado pelo Congresso Nacional e de olho no avanço das investigações do Ministério Público sobre fraudes em campeonatos de futebol, o governo federal prepara uma medida provisória (MP) para regulamentar o mercado de apostas esportivas.

A edição da MP ocorre em paralelo à tramitação do projeto de lei (PL) 845/23, de autoria dos senadores Jorge Kajuru (PSB-GO) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), sobre o assunto.

Executivo e Legislativo travam um embate sobre a criação de normas de regularização. Parlamentares acusam o governo federal de demora no envio da MP ao Congresso Nacional e falam em pautar o projeto que já tramita no Senado sobre o assunto.

Do outro lado, o governo federal responsabiliza a gestão de Jair Bolsonaro (PL) pela demora na criação de normas sobre a atividade de empresas do ramo.

Em dezembro de 2018, a lei 13.756 trouxe para o ordenamento jurídico a possibilidade das apostas de cota fixa. O governo Bolsonaro tinha o prazo de dois anos, prorrogável por mais dois, para regulamentar o mercado, mas não o fez.

Com isso, as regras para funcionamento desse mercado não foram estipuladas e ele prossegue livre do pagamento de impostos.

Integrantes do Ministério da Fazenda alegam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) herdou todo o problema deixado pelo governo anterior na regularização das apostas esportivas e precisou dar uma resposta para a questão em menos de cinco meses de mandato.

“Nós estamos agora suprindo, nos próximos dias, em maio de 2023, algo que deveria ter sido feito, no máximo, até o ano de 2020, dois anos depois da edição da lei”, criticou, na última semana, em evento em Brasília, o assessor especial do Ministério da Fazenda José Manssur.

Vvisto como o “pai” do texto que regulamentará o mercado de apostas esportivas no Brasil, Manssur disse que o segmento de apostas cresceu no país em um “ambiente selvagem”, sem regulamentação.

Denúncia do MP

A discussão sobre o tema se intensificou nos últimos dias após o Ministério Público do Goiás (MPGO) denunciar 16 pessoas por fraudes nos resultados de 13 partidas de futebol.

De acordo com as investigações, jogadores recebiam verba de até R$ 100 mil para provocar, propositalmente, cartões amarelos e vermelhos e beneficiar apostadores. Os casos ocorreram em jogos das séries A e B do Campeonato Brasileiro, em 2022, e dos campeonatos Paulista e Gaúcho de 2023.

Oito jogadores foram afastados de seus clubes por suspeita de participação no esquema. A lista conta com nomes do Fluminense, Santos, Athletico Paranaense, São Bernardo, América – MG, Coritiba e Colorado Rapids (EUA).

O projeto de lei

Mesmo com o envio da MP ao Congresso Nacional, parlamentares querem discutir o projeto de lei de Mourão e Kajuru, que aguarda designação de relator na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado.

A proposta busca criar regras para a atividade das empresas de apostas, com duras normas de fiscalização e garantia de compromissos com a saúde de apostadores.

“A gente não vai mais aguardar a MP do governo. Porque o ministro Haddad tinha prometido há mais de um mês que imediatamente apresentaria a nós a MP, e até tinha me escolhido como relator. Como ela está demorando, essa Casa não pode mais esperar”, disse Kajuru na última quinta.

A proposta prevê que empresas do ramo tenham ao menos uma filial no Brasil, além de pagar R$ 20 milhões para uma autorização de cinco anos e recolher impostos.

O projeto também delimita regras de fiscalização. O operador deve colocar à disposição do governo informações sobre captação de apostas, pagamento de prêmios, atividades suspeitas, certificação de programas de computador, prestadores de serviço, reclamações de apostadores.

Além disso, segundo o projeto, a Fazenda deverá criar um regulamento com regras como proibição de menores de idade e de pessoas influentes na temática esportiva, como árbitros, dirigentes, técnicos, treinadores e atletas.

Após reunião com lideranças partidárias na última quinta, Kajuru pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que o projeto seja pautado. A instatisfação com a demora também foi pontuada por Efraim Filho (União-PE).

“Se espera uma medida provisória por parte do governo desde o início do ano. O ministro Haddad, quando esteve presente no Senado para tratar de arcabouço fiscal, já dizia que na semana seguinte a MP viria, e até seria uma das font4es de receita para justificar a metodologia do arcabouço. Até agora não chegou, o Senado começa a ficar insatisfeito com essa demora”, disse.

A medida provisória

A MP preparada pelo governo ainda não foi editada e enviada ao Congresso Nacional. No entanto, na última quinta-feira, o Ministério da Fazenda divulgou os principais pontos da medida.

O texto será assinado pelos ministérios da Fazenda, Planejamento, Gestão, Saúde, Turismo e Esportes. Cada pasta poderá editar portarias para criar mecanismos que evitem e coíbam casos de manipulações. Ações específicas de fiscalização ainda não foram divulgadas.

As informações mais precisas divulgadas pela Fazenda até o momento são sobre a arrecadação de impostos. O governo quer tributação de 16% sobre receita obtida com jogos feitos, subtraídos os prêmios pagos aos jogadores. Ao apostador vencedor de prêmio, será tributado 30% de Imposto de Renda.

Diferente do projeto de lei, que detalha pontos específicos sobre a publicidade das empresas, a nota divulgada pela Fazenda não traz detalhamento sobre as regras de propaganda. No entanto, o ministério informou que caberá ao Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) definir as medidas.

“O objetivo é garantir que as ações de marketing sejam responsáveis e éticas, contribuindo para um ambiente de apostas seguro e regulamentado”, informou a Fazenda.

Tramitação da MP

Após a análise do presidente Lula e da Casa Civil, a MP será enviada ao Congresso Nacional. No parlamento, a medida deverá ser analisada em até 120 dias, e poderá ser aprovada, rejeitada ou alterada pelos parlamentares.

Ao longo da tramitação no Congresso, as normas redigidas na MP terão força de lei. Por ter vigência imediata, a MP dará aos órgãos governamentais ferramentas para editar portarias temáticas sobre regras de propaganda, credenciamento das casas de apostas no Brasil (valor da outorga, documentos necessários etc.) e definição dos meios de pagamento para evitar lavagem de dinheiro.

CPI na Câmara

Em paralelo ao envio da MP e à tramitação do projeto de lei no Senado, a Câmara dos Deputados deve instalar, nos próximos dias, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades em jogos por esquemas fraudulentos de apostas esportivas.

O relator do colegiado será Felipe Carreras (PSB-PE). Um dos nomes que comporão o colegiado é o deputado Eduardo Bandeira de Mello (PSB-RJ), ex-presidente do Flamengo.

“Nesta semana veio à tona o que estamos prevendo há algum tempo, o afastamento de jogadores da Série A suspeitos de envolvimento com esse esquema. O futebol é uma paixão nacional, é um patrimônio do povo brasileiro. Precisamos investigar a fundo e punir todos os envolvidos”, disse o deputado Carreras na quinta-feira.


*Publicado originalmente no Metropoles

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